O rapaz (teria pouco mais de 20 anos) nunca fumava no café
Mas costumava sentar-se na zona dos fumadores
Se a mesa do seu agrado estava ocupada revelava alguma ansiedade
Escolhia a que estivesse mais próxima do seu lugar preferido e quando este vagasse quase corria para lá se sentar
Os empregados já se tinham habituado ao rapaz
Traziam-lhe um galão e um croissant sem qualquer recheio
Tinha sempre um livro para ler e nunca era o mesmo
À vezes num pequeno bloco escrevinhava qualquer coisa
Um dia saiu da rotina e pediu um copo de água com gelo
De resto a sua voz mal se ouvia quando dizia qualquer coisa mas os empregados sabiam ler os lábios
Numa tarde de segunda-feira chegou com um portátil
E uns auscultadores
Alheou-se por completo do sítio onde estava
Daí em diante vinha sempre com o computador e os auscultadores
E passou a fazer gestos em vez de murmurar
Os empregados sabiam linguagem gestual
E a nova rotina continuava sempre com o galão e o croissant
E os gestos
Num domingo de manhã apareceu com um fino traço negro nas pálpebras superiores e rimmel nas pestanas
Os empregados às vezes eram cegos
Com o correr do tempo iam sucedendo várias alterações na cor do traço e do rimmel
Em comunicação telepática os empregados discutiam o que melhor lhe ficava
E concordaram que era mesmo o negro no traço e o azul no rimmel
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